sábado, 20 de junho de 2015

A recaída - Dia #00

O momento mais difícil para quem está parando de fumar é chamado de fissura. É uma crise de abstinência muito forte, que desafia a força de vontade e até mesmo a sanidade de quem está nessa árdua luta. A sensação de parar de fumar é a de estar em um rio muito turbulento e segurando-se com todas as forças a uma corda muito frágil, tentando não ser levado pela correnteza. Isso demanda uma concentração sobre-humana, uma força de vontade maior do que você e o apoio e a compreensão das pessoas que estão ao seu redor.

Mas às vezes nem toda concentração e força de vontade do mundo são suficientes para isso. E os momentos de recaída são impulsivos e imprevisíveis. 

Segunda-feira passada, três dias antes da minha recaída, postei um texto aqui falando sobre a pressão que uma prova e uma apresentação musical na faculdade estavam exercendo sobre mim e minha força de vontade. De fato foi um dia muito estressante e encharcado de ansiedade, medo e angústia. Quando saí da cama, disse a mim mesmo que eu poderia fumar um cigarro, apenas um, naquele dia, porque a ocasião pedia por isso. No final do dia, a prova havia sido feita tranquilamente e a apresentação foi um sucesso. E, antes de dormir, eu agradeci silenciosamente a mim mesmo, ao meu cérebro e a minha capacidade de sobreviver àquele dia sem nenhum cigarro, mesmo tendo me autorizado a consumir um naquele dia.

Depois de terça-feira, eu tinha certeza de que poderia sobreviver a qualquer situação estressante e complicada sem fumar. Estava muito orgulhoso e confiante, nem precisava mais fazer tanto esforço como antes, a corda que me protegia da correnteza estava praticamente colada à minha mão. E aí chegou quinta-feira.

Se eu disser que foi um dia difícil e desgastante só para justificar minha recaída, estarei mentindo para mim mesmo. Pelo contrário, foi um dia tranquilo com metas cumpridas, aulas integralmente assistidas, participação máxima em todas as coisas pelas quais estou responsável a realizar. Poderia ter sido mais um dia de vitória contra o cigarro. Poderia ter sido mais um dia em que eu iria me deitar grato por não ter inflado meus pulmões com fumaça tóxica. Mas a corda arrebentou e, em cinco minutos, eu estava fumando de novo.

É difícil digitar essas palavras e publicar esse texto. A sensação de incapacidade e humilhação quase me vencem agora. Mas eu criei esse blog com o intuito de compartilhar a minha experiência, seja ela positiva ou negativa, e para tanto eu preciso ser sincero comigo mesmo e com quem me lê por entretenimento, curiosidade ou até mesmo para buscar apoio.

Decepcionar quem está torcendo por você nunca é uma coisa boa, mas decepcionar a si mesmo é pior ainda. Eu uso um aplicativo para celular muito bom para ajudar quem quer cessar o vício da nicotina chamado "Quit Now!". Nele, você pode verificar há quantos dias você parou de fumar, quantos cigarros deixou de acender e quanto dinheiro economizou, além de status de saúde e conquistas individuais. Zerar esse aplicativo depois de quase onze dias de abstinência foi como se eu estivesse jogando todo o meu progresso no lixo. Mais de cem cigarros deixados para trás, mais de cinquenta reais economizados, todo o meu progresso físico e mental de desintoxicação foi por água abaixo e cá estou eu nadando contra a correnteza, procurando forças para chegar à corda novamente e me manter firme a ela. 

Em um sentindo amplo, a recaída foi uma coisa boa. Percebi que eu realmente não quero voltar àquela vida de 12 dias atrás. Percebi que sou uma pessoa muito melhor, muito mais agradável, motivada e concentrada sem o cigarro. Percebi que minha decisão de parar de fumar foi a certa e que eu não quero voltar atrás nisso. 

É claro que não vai ser fácil passar por tudo de novo, mas uma coisa é certa: recaídas fazem parte do processo, por mais difícil e desestimulantes que elas sejam. Você deve evitá-las ao máximo porque, além de desagradáveis, o risco de colocar tudo a perder é grande. No entanto, sentir-se culpado e ser cruel consigo mesmo não ajuda, também. 

Zerei o contador lateral aqui do blog da mesma forma que zerei o progresso do aplicativo. Estou de volta à estaca zero. Ainda estou na luta. Estou recomeçando.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Pressure! Dia #07



Ansiedade é uma palavra de 9 letras para "Boa tarde, vou querer três BigMacs com fritas e refrigerante. Ah, e um tiro na testa, por favor." Parece que todos os problemas do mundo resolveram dar um passeio usando suas costas como garupa, e agora você é responsável por resolver cada pepino que aparecer na sua frente.

Juntando tudo isso à abstinência, não há ser humano em sã consciência que consiga suportar. E é aí que a sua mente começa a te sabotar, sussurrando ótimos motivos para desistir de parar de fumar, interromper tudo o que você está fazendo e correr para a loja de conveniência mais próxima e comprar um maço. São argumentos práticos que fazem todo sentido: só um cigarro não vai fazer mal; você está passando por uma barra, não seja tão duro com você mesmo e dê um trago; você pode parar mais tarde, quando as coisas estiverem mais tranquilas: não tem por que se martirizar agora, com tudo isso que você já está passando.

Se você deixar sua mente argumentar, provavelmente não vai conseguir aguentar por muito tempo. Por exemplo, amanhã eu tenho uma prova supercomplicada na faculdade e uma apresentação musical para um auditório lotado. Minha mente quer ser camarada e me convencer de que pode me ajudar a passar por esses desafios e tornar tudo mais simples; para tanto, eu só preciso ir ali rapidinho e repetir as palavrinhas mágicas que ficaram gravadas nela por todos esses anos: "um-free-vermelho-maço".

Confesso que quase me deixei levar por isso. Pensando em todas as coisas com as quais terei de lidar amanhã, me imaginando em cima de um palco, diante de um microfone e de uma plateia consideravelmente grande, ou sentado em uma sala de aula encarando uma folha de papel que será decisiva para que o semestre que passou valha a pena, há dezenas de argumentos que me fariam desistir da jornada anti-tabaco na qual me coloquei há quase uma semana.

Eu poderia redigir uma tese de mestrado sobre os motivos pelos quais parar de fumar agora não é uma boa ideia, mas eu só preciso de uma constatação para desconstruir esse pensamento: sempre haverá problemas, sempre haverá ansiedade, sempre aparecerão desafios. Além disso, o cigarro não faria com que a prova fosse mais fácil, tampouco que a plateia fosse mais tolerante com a minha falta de talento (a apresentação é praticamente obrigatória e involuntária) e sequer melhoraria minha voz. Pensando bem, fumar provavelmente só pioraria as coisas: eu teria pressa para acabar logo a prova e poder fumar, eu me apresentaria fedendo e minha voz seria prejudicada com a fumaça.

Você pode usar o cigarro como muleta para te apoiar em momentos difíceis, mas a realidade é que ele não funciona assim. A nicotina pode amenizar ansiedades e depressões, ou exaltar momentos de relaxamento e prazer, mas mais da metade do mundo consegue sobreviver a desafios e curtir felicidades sem cigarro. Em muitos casos, o hábito de fumar pode, na verdade, piorar as coisas.

Então, quando a ansiedade vier fazer uma visitinha, receba-a bem. Não tente lutar contra ela a ponto de se desesperar mais ainda. Sua mente vai argumentar, mas é importante que você saiba conversar consigo mesmo em vez de ficar tentando calar uma voz que esteve aí dentro de você a vida inteira. Tenha bons argumentos para te apoiar. Faça uma lista dos motivos pelos quais você decidiu parar de fumar e deixe-a sempre por perto. Beba água, masque chiclete, coma frutas, leia alguma coisa, permita-se ser absorvido por algo que te interesse.

Ah, e antes que eu me esqueça: maneire no BigMac. E nada de tiro na testa!

sexta-feira, 12 de junho de 2015

O que dá pra fazer com o dinheiro do cigarro?

Um dos vários argumentos que a gente lê na internet ou ouve das pessoas para parar de fumar é a questão financeira. Realmente, o preço do cigarro está altíssimo e sobe todos os anos. Não é um custo/benefício positivo, e esse foi um dos motivos mais fortes que me fizeram considerar o abandono do tabaco. 

Pensando nisso, eu fiz uma listinha das coisas que dá pra fazer com o dinheiro que eu gastava com cigarros. A lista é bem pessoal e se aplica aos meus interesses e gostos, mas você pode refletir sobre ela e experimentar fazer algo parecido baseado nos seus hobbies e sonhos de consumo. 

Sei que parecem itens absurdos, porque se a gente não gasta com o cigarro, acaba gastando com outras coisas fúteis e não guarda realmente para viajar, por exemplo. Mas a ideia é refletir sobre o dinheiro e as oportunidades que jogamos fora por causa do vício. Afinal, quantas vezes você ficou em casa no final de semana porque não tinha dinheiro, mas tinha cigarro? Quantas vezes você deixou de viajar e conhecer lugares legais porque sabia que não ia conseguir guardar dinheiro, mas pra comprar cigarro sempre tinha? Então, já que você gastava toda essa grana com cigarro, por que não poupá-la para realizar pequenos e grandes sonhos? Bora lá:

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Dias de luta, dias de glória - Dias #02 e #03

SEM FUMAR HÁ: 2 DIAS E 20 HORAS
DINHEIRO ECONOMIZADO: R$ 20,25
ABSTINÊNCIA: CONTROLADA


Um dos meus maiores medos ao parar de fumar era o de perder o prazer em eventos sociais. Até poucos dias atrás, Nico era um grande companheiro de festas, passeios e até mesmo reuniões pequenas em casas de amigos. Mesmo quando eu ia ao cinema, assim que o filme terminava, tinha que sair do shopping para fumar um cigarro. Parece que todas as atividades de lazer da minha vida estavam atreladas ao cigarro, ou melhor, que ele estava atrelado a elas, como os temperos exóticos de uma comida que pode ser boa sem eles, mas que não é a mesma coisa.

Ontem foi meu segundo dia sem fumar e uma festa junina aconteceu na faculdade. E quem resiste a festas juninas? Doces, música, cachorro quente, pessoas vestidas a caráter... Além de tudo, a entrada era gratuita, e como não tive muitas oportunidades de ir a festas de integração da faculdade este ano (na verdade, não fui em nenhuma), decidi ir a essa.

Pensei que não fosse ser forte o suficiente. Assim que pisei na faculdade, às oito da noite, a abstinência parecia estar mais alta do que a música, pulsando em minha cabeça como um coração em pleno ataque, bombeando irritação e impaciência pelas minhas veias e arrancando suspiros de agonia. Para ajudar, dezenas de pessoas fumavam ao meu redor, inclusive meus amigos próximos. E foi aí que eu percebi uma coisa muito curiosa, que eu não sei se acontece só comigo: a vontade de fumar tinha mais a ver com o hábito do que com o cheiro do cigarro em si. Na verdade, o cheiro do cigarro era quase insuportável: a fumaça dos cigarros ao meu redor penetravam em minhas narinas como ácido, queimando, ardendo, me fazendo prender a respiração.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Olá, Nicorette - Dia #01

SEM FUMAR HÁ: 18 HORAS
DINHEIRO ECONOMIZADO: R$ 6,75
ABSTINÊNCIA: SUPORTÁVEL


Parei de fumar hoje à meia-noite e meia, mais ou menos. Dormir não foi uma tarefa fácil: quando eu me dei conta, estava ouvindo uma rádio católica para tentar pegar no sono, e olha que eu não sou religioso, mas o que pode ser melhor para acalmar a mente do que ouvir velhinhas rezando o terço over and over ao vivo às 4h da manhã, por telefone, em alguma casinha aconchegante e com cheiro de café antes mesmo de o sol nascer? Sério, dá uma paz...

Uma coisa que tem ajudado muito é uma tal de Nicorette. Indicada pelo pneumologista que eu procurei para iniciar o tratamento anti-tabaco, Nicorette é uma goma de mascar de nicotina.

"Eca, chiclete de nicotina?" Sim, mas não tem gosto de nicotina. Tem sabor de Clorets. A caixinha que eu comprei vem com 30 tabletes com 4mg de nicotina cada. Custa cerca de R$50,00 (ouch!) e o procedimento é basicamente mastigar um tablete sempre que der vontade de fumar e, quando começar a sentir um gostinho diferente do de menta ou então uma sensação de formigamento, posicionar o chiclete entre a gengiva e a bochecha para que a nicotina seja absorvida.

Eu não senti nenhum sabor diferente, tampouco algum formigamento. Uma cosquinha na garganta, no máximo. De qualquer forma, está sendo uma ajuda e tanto. A abstinência está muito mais controlada do que das outras vezes que tentei parar sem ajuda de nada.

Em relação ao preço, é um pouco caro, sim. Mas se você parar para pensar, um maço de cigarro por dia dá, em média, R$49,00 por semana. Quase 50 contos em 7 dias. É mais ou menos o que dura a caixinha de Nicorette com 30 unidades: de 7 a 10 dias, dependendo do seu nível de consumo. 

É claro que a vontade não passa de uma hora para a outra. Chicletes, adesivos e outros medicamentos utilizados para auxiliar no abandono do vício servem para isso, mesmo: auxiliar. Não existe nenhum medicamento que faça com que a vontade de fumar desapareça de vez. É preciso uma força de vontade muito grande para não sair correndo atrás de um cigarro, mas isso pode ser mais fácil se você tiver algo para amenizar os terríveis sintomas da abstinência.

O resto do sofrimento é por puro hábito. O vício não é só químico, mas também psicológico. Aquele ritual, que cada um tem o seu, para acender o cigarro, não há chiclete ou adesivo no mundo que substitua, e faz uma falta imensa. 

Mas, quando essa falta vem, eu tento me concentrar em outras coisas. Ouço uma música, vejo um vídeo, como alguma coisa (Sucrilhos com leite gelado ajuda muito), bebo água, respiro fundo e sigo em frente. 

Cada hora que passa é mais difícil do que a anterior, mas cada hora que passa e eu não acendi um cigarro é muito, muito mais gratificante do que a hora anterior.

Asas cinzentas

Como recomeçar?

Depois de uma tentativa frustrada de abandonar esse vício horroroso, me deparo com este blog e me lembro de todas as minhas intenções com ele: me ajudar a parar de fumar, incentivar e apoiar outras pessoas que também estão deixando o cigarro, transformar uma experiência difícil e traumática em algo mais leve e divertido.

Fracassei. Depois de alguns dias sem fumar, me traí e corri para a padaria mais próxima para comprar um maço de Free. Cheguei a pensar que nunca mais tentaria, que o cigarro não devia fazer tão mal assim, que se eu parasse ia ser completamente contraproducente, uma vez que estou cursando o primeiro ano de Letras e preciso de coisas que me ajudem a concentrar, e a abstinência certamente não é uma dessas coisas.

No entanto, me deparo com a realidade de que, se eu for esperar ter um momento na vida só para parar de fumar, eu não vou parar nunca. Então decidi que o momento é agora. Enquanto digito isso, meus pulmões parecem chorar de desespero por uma fumacinha tóxica e minha mente me diz "Só unzinho não vai fazer diferença."

Mas eu sei que é assim que ele age, o vício. Não são meus pulmões ou minha mente que estão dizendo isso. É o vício tentando me enganar, me convencer de que ele é uma coisa boa. E para aqueles que têm dúvidas sobre o cigarro fazer mal mesmo ou não, eu diria que toda e qualquer coisa que comprometa sua liberdade, sua vontade própria, qualquer coisa que venha podar suas asas não pode ser uma coisa boa.

Parar de fumar é como andar em uma corda bamba. Você precisa respirar fundo, focar no outro lado do trajeto, equilibrar-se, acreditar que pode chegar lá sem cair. E o grande segredo é nunca, jamais, em hipótese alguma, olhar para baixo. Porque há um abismo gigantesco de abstinência, medo e vício esperando para te tragar (com o perdão do trocadilho).

Depois de anos sendo escravo do cigarro, eu decidi que não quero mais isso. Não quero mais abraçar as pessoas de longe, quase fugindo, por causa do cheiro que eu sei que fica em mim. Não quero mais virar a cara para os lados quando for falar com alguém por causa do meu hálito de cinzeiro. Não quero mais chegar em casa depois de uma festa, ou então em uma sala de aula da faculdade, com aquele cheiro metálico curtido em minhas roupas. Não quero mais ficar me perguntando se aquela pessoa sentada ao meu lado na faculdade cobriu o rosto com a mão por causa do meu cheiro de cigarro. Não quero mais gastar 50 reais por semana com cigarro e não ter dinheiro para outras coisas mais bacanas, interessantes e saudáveis. Não quero mais alimentar uma máfia que mata milhares de pessoas por ano. Não quero mais colocar minha saúde em risco. Não quero mais ver meus pais chegando em casa todos os dias e reclamando do cheiro que eu deixo na casa, pela qual eles trabalham para manter todos os dias. Não quero mais me sujeitar ao ridículo de sair juntando moedinhas no meio da madrugada e sair de casa andando até o posto de gasolina às 3h da manhã segurando 60 moedas para comprar cigarro.

Enfim, os "não quero" são tantos que eu poderia ficar a tarde inteira aqui só digitando isso. Mas eu vou dizer o que eu quero, que é muito mais simples e conciso: eu quero ser livre. Quero poder escolher ficar com meus amigos, com meus familiares, quero optar por ficar dentro da sala de aula sem sair o tempo todo para fumar. Quero poder escolher qual vai ser meu perfume. Quero poder escolher qual gosto vai ter minha boca.

Quero minhas asas de volta.