A recaída bateu em minha porta e eu abri. Senhoras e senhores, ponham a mão no chão. Aproveitem e se deitem em posição fetal e chorem. Lá se foi todo o meu esforço, todos os dias de sofrimento, incinerados com o mover do polegar no isqueiro.
Não sei se é possível se justificar nessas horas. Meu pai costuma dizer que "Você é senhor de si" e que nossos atos dependem boa parte de nós, e que não adianta colocar a desculpa em coisas que acontecem mas, em minha defesa, não havia nada que eu pudesse ter feito.
Em algum dia de julho do ano passado, provavelmente no dia 10, comecei a trabalhar em uma escola de idiomas como professor de inglês. Preciso dizer que tenho um sério problema com exposição. Não que eu seja introvertido ou sofra de fobia social -- na verdade, eu me dou bem com grupos, com conversas, com pessoas. O problema é quando eu sou posto à prova na frente de outras pessoas. Eu precisava provar que eu conhecia o idioma, depois eu precisava provar que eu dominava o método da escola, e então me jogar aos leões. Cigarro, meu velho amigo, volta aqui que não tá dando sem você.
Fumei ininterruptamente desde julho. Acabei saindo do emprego porque a pressão estava me matando, saí da faculdade porque fiquei traumatizado com a vida de professor (e meu curso era licenciatura), prestei outro vestibular (o que aumentou e muito minha ansiedade) e, no dia 20 de dezembro de 2015, minha tia Gizelle, que era quase como uma irmã mais velha para mim, sofreu um acidente de carro e faleceu no dia 25, à meia-noite de Natal. Ela tinha 37 anos. Ela malhava. Ela era comissária de bordo. Ela tinha uma qualidade de vida invejável. E ela morreu em um acidente de trânsito enquanto ia viajar com o namorado para Campos do Jordão.
Durante o processo de luto (pelo qual ainda estou passando), pensei inúmeras vezes que eu deveria ter ido no lugar dela. Eu, que fumo um maço por dia, que fiquei dois dias com dores nas pernas por ter agachado em uma loja para escolher um presente de Natal, que passo o dia inteiro sentado na frente de um computador, eu que não dou a mínima para a minha saúde, eu que não tenho a menor utilidade neste planeta. Eu deveria ter ido, não ela. Minha mãe e meu namorado vão ler isso e vão me dizer que eu não deveria pensar assim, mas não consigo evitar. Mas, infelizmente, essas coisas não possuem um sistema de méritos - ou só teríamos pessoas boas e merecedoras vivas.
De qualquer forma, ver a minha mãe sofrendo tanto pela morte da irmã dela me fez pensar que, se eu não parar de fumar, de fato serei eu daqui a alguns anos (ou, quem sabe, meses?) deitado em uma cama de hospital à beira da morte, e eu não quero causar esse sofrimento para ninguém, nem para mim.
Então eu decidi parar de novo. Por mim e pelas pessoas que me amam, mas principalmente por você, Gizelle. Porque eu sei que você iria querer que eu parasse.
Essa é minha terceira tentativa. Vamos em frente.
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